A exposição “À Flor da Pele: Arte Negra no Museu” conta com a curadoria de Ludmila Brandão e Gervane de Paula. A expografia é de Serafim Bertoloto e Viviene Lozi.
Dedicada a artistas negros, a exposição coletiva reúne alguns dos artistas da decada de 1970, bem como jovens e atuantes artistas negros que hoje fazem o duro trabalho de serem incluídos no sistema artístico nacional.
A exposição conta com grandes nomes das artes plásticas mato-grossense como Gervane de Paula, Paty Wolff, Paulo Pires, Adão Silva / Babu 78, Elaine Fogação, Rodolfo Luis, Sol Ferreira, Vãnia de Paulo e in memoriam Alcides Pereira dos Santos, Nilson Pimenta, Benedito Nunes, Osvaldina dos Santos, Clínio de Moura e o artista Baiano Rubem Valentim.
Promovida pelo MACP-UFMT – Museu de Arte e Cultura Popular da Universidade Federal de Mato Grosso em conjunto com o MAS-MT – Museu de Arte Sacra de Mato Grosso, a exposição acontece simultaneamente em ambos os museus.
No MACP-UFMT acontece no salão de exposições, com uma coleção de 70 obras dos artistas homenageados e ficará em cartaz de 28 de setembro de 2022 a 27 de janeiro de 2023, com visitação de segunda a sexta-feira, das 13h às 19h.
No MAS-MT, a exposição ocorre nos ambientes 5 e 12 do circuito expositivo e fica em cartaz pelo período de 16 de setembro de 2022 a 29 de janeiro de 2023, com visitação de quarta a domingo das 9h às 17h, com uma coleção de 25 obras dos artistas homenageados.
Marcos Gontijo
Museu de Arte Sacra de Mato Grosso
ARTE NEGRA ARROMBA PORTA DO SISTEMA DE ARTE
No início dos anos 90, o grande pensador jamaicano Stuart Hall debruçava-se sobre as questões teóricas que dividiam o campo dos Estudos Culturais, do qual se tornou um de seus mais importantes expoentes. Há quinze anos pelo menos, dizia Hall, estruturalistas e culturalistas disputavam a hegemonia teórica do campo quando a contenda foi interrompida pelo feminismo que chegou arrombando a porta e, “como um ladrão no meio da noite, interrompeu tudo o que estava fazendo e virou a mesa dos estudos culturais”.
Com o slogan “o pessoal é político” e a demonstração da natureza sexuada do poder, o feminismo logo se viu acompanhado pelas questões de raça e sexualidade no mesmo embate do campo. Dessas irrupções resultaram a profunda revisão de todos os paradigmas dos Estudos Culturais.
Se, nas Humanidades, questões ligadas às minorias subalternizadas foram inseridas em meio às reflexões correntes por força e obra de seus representantes, o mesmo sucede, com algumas décadas de atraso, com o sistema de Arte.
Quantas mulheres artistas podem ser encontradas num livro clássico de História da Arte? Quantos artistas negros? Ou indígenas? Já é quase lugar comum (mas ainda vale a pena lembrar) a comparação entre as obras de Pablo Picasso inspiradas nas máscaras africanas e disputadas pelas mais importantes instituições artísticas do mundo – lembro aqui Les demoiselles d’Avignon de 1907 – e o fato de as próprias máscaras, para as quais o artista espanhol atraiu interesse, serem exibidas em museus etnográficos! A elas reservava-se o interesse pelo exotismo de suas formas como conhecimento da cultura em geral, jamais como peças de valor artístico intrínseco.
A porta foi, enfim, arrombada! Multiplicam-se exposições consagradas a artistas indígenas, mulheres, negros e negras, LGBTQIA+, no mundo, no Brasil e cá entre nós.
Em São Paulo, a exposição Raio-que-o-parta: Ficções do Moderno no Brasil, deste ano de 2022, reuniu cerca de 200 artistas de diferentes regiões do país cujas obras assinalam que a vaga modernista não se limitou aos restritos círculos artísticos de São Paulo, como nos faz crer os livros de arte. Um belo exemplo pode ser encontrado na arquitetura vernacular paraense da primeira metade do século XX, que deu nome à exposição, inventada e praticada por mestres-de-obra e moradores sem formação acadêmica, e de evidentes traços modernistas. O que nos surpreende nessa exposição, além das mais de 600 obras é o fato de a imensa maioria dos artistas ser completamente desconhecida até então, muitos deles, mulheres e homens negros, indígenas, caboclos.
O MACP não poderia deixar de se engajar nessa irrupção bem-vinda. No entanto, é bom lembrar que esta não é a primeira exposição no museu dedicada a artistas negros. Em 1988, sob o nome Negra Sensibilidade, os trabalhos de nove artistas negros (uma mulher), foram aqui exibidos. É necessário, todavia, verificar o contexto. Ao fundo, percebemos uma espécie de homenagem – espírito do tempo – à “contribuição” do negro à cultura brasileira repercutindo, de certo modo, a ideia das três raças que participariam igualmente dessa construção, a despeito das práticas de assujeitamento que seguem em curso neste país. Tratava-se, ainda que com as melhores intenções, de um museu branco abrindo espaço para a produção de artistas negros.
A situação que agora temos é completamente outra. O protagonismo das minorias vem conquistando os espaços de arte, convertendo-os em territórios dos mais variados matizes em termos de raça, gênero, sexualidade e o que estiver por vir. Não se trata de concessão, de render homenagem, mas de assunção do que lhe é de direito.
Assim pensamos que esta exposição haveria de reunir alguns dos artistas desse primeiro movimento do MACP com jovens e atuantes artistas negros que hoje fazem o duro trabalho de arrombar as portas do sistema artístico.
Que por aqui fiquem para sempre!
Ludmila Brandão
Cuiabá, 14 de agosto de 2022
ARTISTAS NEGROS IMPORTAM
O Estado de Mato Grosso abriga um núcleo expressivo de artesãos, ceramistas, tecelões, músicos, escritores, fotógrafos, artistas visuais populares, modernos e contemporâneos. Aqui também é possível encontrar inúmeros rituais religiosos, danças folclóricas, festas populares e uma culinária de aromas e sabores inigualáveis, uma magia de costumes e tradições. A mão negra contribuiu e continua presente em todo o processo de desenvolvimento não só cultural como também no aspecto político e econômico do Estado.
Esta mostra coletiva de artes visuais, promovida pelo MACP tem como objetivo a ambição de valorizar e reconhecer a contribuição dos artistas afrodescendentes para a cultura mato-grossense e brasileira. Além de prestar uma justa homenagem a homens, mulheres e crianças do mundo inteiro que sofreram e continuam vítimas de injustiças e violências raciais por terem a cor Negra, “À FLOR DA PELE”.
A mostra é composta por obras de artistas que foram revelados a partir de meados dos anos 70, período em que o cenário artístico e cultural começou a ser representado também pelas mãos de artistas afro-mato-grossenses, e através de documentos literários, históricos, fotografias, vídeos e um expressivo acervo iconográfico produzido por esses artistas com obras que hoje se encontram aos cuidados do Museu de Arte e de Cultura Popular da UFMT e da Secretaria de Estado de Cultura de Mato Grosso.
A mão negra nas artes plásticas mato-grossenses em formato coletivo e de movimento artístico/cultural é considerada historicamente um fato recente, levando-se em consideração o vazio que a memória nos deixou. Talvez os contadores de histórias tenham tido o cuidado premeditado de preservar somente o que lhes era conveniente, uma estratégia torpe de garantir apenas a narrativa do colonizador.
Desde que aqui chegou, a mão negra certamente vem contribuindo substancialmente para o desenvolvimento do Estado, muito além de somente garimpar, plantar, construir pontes e abrir estradas para brancos passar. De fato, não fosse a bravura e a força física dos africanos, com certeza sequer uma pinguela, tampouco uma trilha os aventureiros aqui chegados, teriam a seu favor.
Participam da mostra os pintores: Alcides Pereira dos Santos (Ruy Barbosa BA 1932 – 2007), Benedito Nunes (Cuiabá 1956 – 2020), Nilson Pimenta (Caravelas BA 1956 – 2017), Osvaldina dos Santos (Cuiabá 1931 – 2010) e o ceramista Clínio de Moura (Várzea Grande MT 1928 – 2008), todos eles falecidos. A exposição conta ainda com a minha participação, do escultor Paulo Pires e do pintor Adão Silva Segundo (Babu78), nós três somos artistas praticamente da mesma geração. A artista plástica Elaine Fogaça, a escritora e pintora Paty Wolff, o multiartista Sol Ferreira e os fotógrafos Rodolfo Luíz e Wânia de Paula também se fazem presentes. Esse grupo representa o dinamismo e a renovação das artes visuais na região, realizadas por Mãos de Homens e Mulheres Negras.
“À FLOR DA PELE” também apresenta obras do pintor, escultor e gravador Rubem Valentim (Salvador 1922 – São Paulo, 1991), artista baiano que viveu e trabalhou por um longo período de sua vida em Brasília e possui um conjunto de obras no acervo do Museu de Arte e de Cultura Popular da UFMT.
Atualmente, vem ocorrendo uma presença maior de artistas e curadores Negros e Negras nas mostras e nos circuitos de artes visuais, no âmbito nacional e internacional. Primeiro, na Europa e nos Estados Unidos, para depois chegar à América Hispânica e finalmente atracar no Brasil Negreiro.
Ainda é muito cedo para atribuir qualquer espécie de juízo a esse momento sintomático, a ponto de ser considerado um processo perene de descolonização cultural, somente o tempo deverá revelar a dimensão dessa tendência.
Mesmo que o estado de equidade venha a varar dias e noites até chegar, não estamos dispostos a dar sequer um minuto de trégua, pelo contrário, os artistas, ativistas líderes e a população negra em geral caminham juntos e de mãos dadas em direção a essa conquista, um processo de desestruturação cultural e, sobretudo, racial, uma caminhada a passos firmes, seguindo os mesmos caminhos e os rastros cujas pegadas ainda estão frescas, deixadas por guerreiros destemidos, a exemplo do Doutor King (Atlanta, Estados Unidos, 1929 -1968), Malcom X (Omaha, Estados Unidos, 1925 – 1965) Zumbi dos Palmares (Serra da Barriga AL 1655 – 1695) Tereza de Benguela (Reino de Benguela, c. 1700 – 1770) Chico da Matilde (Canoa Quebrada CE 1839 – 1914) Milton Gonçalves (Monte Santo de Minas MG 1933 – 2022), Geraldo H. Costa (Cuiabá, 1939 – 1990), Angela Davis (Alabama, Estados Unidos -1944), Vó Francisca (Chapada dos Guimarães 1914 – 2022), Mestre Nezinho (quilombo Mata Cavalo) entre outros quilombolas.
Artistas negros importam? Precisamos respirar e circular para nos situar e existir, eis a questão!
Gervane de Paula
Cuiabá, agosto de 2022.
A Arte Negra nos Museus
Para o Museu de Arte Sacra de Mato Grosso – MAS-MT, participar da realização do projeto de exposição “À Flor da Pele: Arte Negra no Museu” é um grande prazer, primeiro, por contar com a curadoria de Ludmila Brandão e Gervane de Paula e a expografia de Serafim Bertoloto e Viviene Lozi, todas essas pessoas importantes para a consolidação do cenário das artes visuais no Estado. Segundo, pelo fato de esse projeto de exposição marcar a reabertura do MACP – Museu de Arte e de Cultura Popular da Universidade Federal de Mato Grosso que depois de dois anos fechado, em decorrência da pandemia da covid-19 e o isolamento social, reabre com essa exposição. E lembrando que dela participam tanto jovens artistas quanto outros já consagrados – inclusive, alguns in memoriam que têm obras no acervo do MACP. E, isto, além do acervo de arte da SECEL – Secretaria de Estado de Cultura de Mato Grosso que se encontra no MAS-MT.
Dedicada a artistas negros, a exposição coletiva reúne alguns dos artistas da década de 1970, bem como jovens e atuantes artistas negros que hoje fazem o árduo trabalho de se incluir no mercado nacional de artes visuais.
A exposição busca o diálogo entre gerações de artistas negros e negras grandes nomes das artes plásticas mato-grossenses como Gervane de Paula, Paty Wolff, Paulo Pires, Babu 78, Elaine Fogaça, Rodolfo Luis, Sol Ferreira, Vânia de Paula, além de Alcides Pereira dos Santos, Nilson Pimenta, Benedito Nunes, Osvaldina dos Santos, Clínio Moura e o artista Baiano Rubem Valentim (esses últimos in memoriam).
A parceria dessa exposição entre as duas instituições museológicas tem um caráter muito sensível e necessário. Para tanto, foi desenvolvido um trabalho afinado, alinhando, juntamente com as equipes dos museus, curadores e artistas em todos os aspectos para permitir e comunicar a proposta de maneira íntegra e compreensível a todos os públicos que visitam os espaços.
É necessário que os espaços museológicos possam abrigar ações, debates e exposições que trabalhem temáticas pertinentes nos dias atuais, e, nesse sentido, o racismo no Brasil, por exemplo, infelizmente, ainda é latente e precisa ser discutido e levado para os espaços museológicos. A perspectiva, no caso, é de que é reconhecer a necessidade de um posicionamento antirracista, e isso exige estabelecer o combate a esse mal como princípio ético e prática diária numa sociedade estruturalmente desigual, para exigir, de maneira ativa, a transformação de políticas, comportamentos e crenças que possam eliminar o racismo nos níveis individual, institucional e estrutural.
A arte negra neste projeto apresentado não é apenas uma arte objetivada ou colocada como coadjuvante. Pelo contrário, no contexto de Mato Grosso, é uma arte muito expressiva; basicamente, os artistas plásticos mato-grossenses negros ajudaram a formar a identidade do Estado com o que há de mais genuíno, significativo e crítico em suas produções.
No MAS-MT, poderá ser vista parte da exposição que conta com dois ambientes, sendo um a exposição permanente do artesão Clínio de Moura, que recebeu novos objetos tridimensionais e dois cartazes; já o segundo, com trabalhos em diversos suportes, esculturas, gravuras e pintura de cavalete.
A exposição ocorre nos ambientes 5 e 12 do circuito expositivo do Museu de Arte Sacra e conta com diversas ações educativas. Fica em cartaz no período de 16 de setembro de 2022 a 29 de janeiro de 2023, com visitação de quarta a domingo das 9h às 17h, com a coleção da SECEL e da Galeria Arto, com 25 obras dos artistas participantes.
Viviene Lozi
Diretora Executiva do MAS-MT e
Membro do Conselho curador do MACP-UFMT
MACP e MAS realizam exposição com obras de artistas negros
O Museu de Arte e de Cultura Popular (MACP) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) em parceria com o Museu de Arte Sacra de Mato Grosso (MAS-MT) realizam a exposição coletiva “À Flor da Pele: Arte Negra no Museu”, dedicada a artistas negros matogrossenses. No MACP o evento conta 70 obras que ficarão expostas a partir do próximo dia 28, de segunda a sexta-feira, das 13h às 19h. Já no MAS-MT as visitas às 25 obras acontecem desde o último dia 16, de quarta a domingo das 9h às 17h.
O Supervisor do MACP, professor Carlos Eduardo Amaral de Paiva, conta que a exposição “À Flor da Pele: Arte Negra no Museu” segue em ambos os museus até o mês de janeiro, com a curadoria de Ludmila Brandão e Gervane de Paula e expografia de Serafim Bertoloto e Viviene Lozi.
“A exposição marca a reabertura do museu depois de dois anos fechado em decorrência do isolamento. É uma exposição com jovens artistas e artistas canônicos que possuem suas obras no acervo do MACP. A exposição busca o diálogo entre gerações de artistas negros e negras que passaram pelo museu”, explica complementando que há obras de alguns dos artistas desse primeiro movimento realizado no MACP, bem como jovens e atuantes artistas negros que hoje fazem o duro trabalho de serem incluídos no sistema artístico nacional.
Para a curadora Ludmila Brandão a exposição se destaca pela natureza irruptiva do movimento negro que enfim habita o espaço público. “ Em 1988 o MACP sediou a exposição chamada Negra Sensibilidade com trabalhos de nove artistas negros (uma mulher) em uma espécie de homenagem de um museu universitário a esses operários da arte. Esta exposição não é uma homenagem. É, ao contrário, uma ocupação, uma irrupção ético-estética que toma de assalto o sistema de arte com seus cubos brancos e artistas igualmente brancos, quase todos homens, até então”, destaca.
Artes, diálogos e resistências
Ainda de acordo com Ludmila Brandão, a exposição, coloca ao lado dos artistas que participaram da exposição de 1988, presentes no acervo do MACP, os jovens artistas que com o tema negritude hoje se movimentam entre a arte e a política, entre a introspeção e a insurreição, trazendo para o museu, de modo a que todos ouçam, seus gritos à flor da pele.
A diretora do MAS-MT, Viviene Lozi, membro do conselho curador do MACP, e que assina também a expografia da Exposição, explica que a parceria para esse evento tem um caráter muito sensível e necessário. “Juntamente com o professor Serafim Bertoloto realizamos a expografia que é a forma como a exposição será vista pelo público. É um trabalho muito afinado juntamente com os curadores, onde alinhamos todos os aspectos para permitir comunicar a proposta de maneira íntegra e compreensível. Essa exposição se mostra necessária, e reune artistas negros do Estado da década de 70, 80 e também outros artistas populares, modernos e contemporâneos”, diz.
Ainda de acordo com a diretora do MAS-MT, a temática se revela pertinente nos dias atuais, pois o racismo no Brasil ainda é latente e precisa ser discutido e levado para os espaços museológicos. “A arte negra não é só apenas uma arte objetivada, ou colocada como coadjuvante. Pelo contrário, dentro da perspectiva de nosso estado é uma arte muito expressiva, e basicamente os artistas plásticos mato-grossenses ajudaram a formar a identidade desse estado, com que há de mais genuíno dentro de suas produções”, explica.
Para a diretora é necessário que os museus possam abrigar exposições que trabalhem a temática e também a recepção de artistas negros que contribuem para a construção da identidade e de fortalecimento da cultura afro. “Para o MAS-MT parte da exposição do artesão Clinio de Moura, que é permanente do Museu, receberá novos objetos e integra a exposição “À Flor da Pele: Arte Negra no Museu”. Teremos então dois ambientes, que trazem trabalhos em diversos suportes, desde instalações, gravuras, pintura de cavalete”, comenta.
Luiz Carlos Bezerra
Jornalista